Wednesday, June 07, 2006

Dra. Márcia e o Status do Criacionismo "Científico"

Este artigo visa discutir a viabilidade científica do Criacionismo "Científico", a partir das argumentações da maior representante desta escola criacionista, a Dra. Márcia de Oliveira, sobre o Criacionismo Científico e sobre evolução. As citações , podem ser encontradas aqui: Podem os criacionistas aceitar a origem de novas espécies? .O site onde este e outros artigos são encontrados é: http://origins.swau.edu/ .


A plausibilidade do modelo diluviano

“O material genético de uma população, interagindo com o meio e submetido às forças da mutação, seleção natural, deriva genética e migração, pode levar ao aparecimento de divergência dentro dessa população. Diferenças substanciais podem ocorrer entre dois grupos de uma dada população, a ponto de se poder identificá-los como entidades distintas. Essas diferenças freqüentemente estão associadas à existência de regiões ecologicamente distintas, fato que leva esses grupos a se adaptarem de maneira peculiar. Caracteres de alto valor adaptativo em uma região podem se comportar de maneira diferente em outras. As constituições genéticas de dois ou mais setores de uma população são passíveis de diversificação, por estarem submetidos a pressões seletivas distintas. Se do cruzamento entre membros de dois grupos resultar descendência fértil, admite-se que esses dois grupos constituam raças. As raças são definidas como populações da mesma espécie, que diferem nas freqüências relativas de genes ou de formas cromossômicas.

Se os mecanismos de isolamento tornarem-se cada vez mais eficientes e o fluxo gênico (intercâmbio gênico através da reprodução) entre as raças for cada vez menor, elas tenderão a divergir até o ponto em que a reprodução entre elas se torne impossível. Quando isto ocorrer, o processo de diversificação tornar-se-á irreversível, não haverá mais troca de genes entre os dois grupos e estes poderão, agora, ser considerados duas espécies distintas (Ver Figura 1).

Este processo de especiação descrito por Stebbins pode ser perfeitamente aceito pelos
criacionistas.

O tempo requerido para a formação de uma nova espécie por este processo seria, segundo alguns evolucionistas, em média um milhão de anos. Porém, vários outros cientistas admitem que este processo possa ser muito mais rápido, sendo possível em centenas ou milhares de anos (ver exemplos acima)."
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Na realidade, talvez nem um milhão de anos seja uma boa estimativa para o tempo médio da origem de uma nova espécie.Alguns autores pensam que dezenas de milhares de anos é o tempo de especiação em caso de populações sub-isoladas e assim se fôssemos fazer uma média, ela com certeza estaria abaixo desse tempo.Quanto ao resto, tudo certo até aqui.



“Segundo Gibson, o dilúvio e as condições originadas após o seu término teriam fornecido condições muito favoráveis para uma rápida especiação. A maioria dos organismos foi destruída por esta catástrofe, deixando pequenas populações de sobreviventes. Os vertebrados terrestres foram preservados na arca em pequenos números. Após eles serem liberados da arca, eles teriam encontrado recursos quase ilimitados disponíveis, tornando possíveis rápidos aumentos no tamanho das populações, juntamente com níveis reduzidos de competição. Haveria um grande número de nichos ecológicos desocupados, aos quais os organismos poderiam se adaptar. As condições ambientais da terra estariam instáveis, e processos geológicos como os vulcões, terremotos, e mudanças no nível do mar afetariam o clima, criariam e removeriam barreiras para a dispersão e produziriam muitas catástrofes localizadas que tenderiam a isolar populações de espécies em dispersão.

Aquelas espécies que foram preservadas fora da arca também estariam sujeitas a condições favoráveis para especiação. Organismos aquáticos poderiam ser transportados por correntes, possivelmente resultando na dispersão de pequenos grupos de sobreviventes para muitos lugares isolados com diferentes condições ambientais. O mesmo poderia acontecer com grupos terrestre tais como insetos, vermes e outros invertebrados. Plantas e sementes poderiam também ser levadas pelas águas e dispersas por correntes. Estas condições provavelmente resultariam em especiação rápida em muitos grupos de organismos.”
(...)
Mudança nas espécies através dos tempos são irrefutáveis. Porém, essas mudanças são limitadas. A possibilidade de mudanças nas espécies não deveria surpreender os criacionistas. A má compreensão do termo "segundo sua espécie" no livro de Gênesis levou alguns a pensarem que os animais não podem mudar de maneira significativa. Porém uma leitura cuidadosa mostra que o texto está afirmando que Deus criou muitos tipos de organismos em um dia de criação. O termo não diz nada sobre se eles podem ou não mudar. Ao contrário, o livro de Gênesis claramente afirma que mudanças iriam acontecer (Gênesis 3: 14, 18). Parece então lógico aceitar o conceito de que Deus criou os "tipos" básicos de organismos, originando a grande variedade de vida ao nosso redor, mas ocorreram mudanças morfológicas limitadas e formação de novas espécies e talvez gêneros. Estas mudanças podem ter acontecido em tempos relativamente curtos, após a criação."
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A questão não é só falar “isolamento geográfico” e “evolução divergente” como palavras mágicas e assim toda a diversidade da Terra pode ser explicada pelo modelo diluviano.A questão é c,omo eu abordei no artigo “Ícones do Criacionismo Científico” ,deve-se explicar não só as 10 ou 50 milhões de espécies que supostamente evoluíram de alguns tipos básicos que saíram da Arca.Deve-se mostrar a plausibilidade da evolução de gêneros e até famílias em cerca de 3 ou 5 mil anos.A questão é: como táxons endêmicos foram parar nas suas regiões específicas?Um exemplo que eu posso demonstrar é o enigma dos lêmures, primatas de cinco famílias de que existem naturalmente apenas no Madagascar.Eles devem ter sido salvos do dilúvio porque existem até hoje.Mas porque Noé teria o trabalho de deixar nessa ilha, as mais de quarenta espécies apenas para pensarmos que ela evoluiu de um ancestral pro-símio que viveu algumas dezenas de milhões de anos na África?Dizer que os proto-lêmures foram todos extintos em outros lugares não adiantaria nada, uma vez que morfologistas identificam cinco famílias distintas desses primatas.O mesmo poderia dizer das catorze espécies de tentilhões de Darwin, que são representados por quatro gêneros no arquipélago de Galápagos.Ou seja, criacionistas da terra-jovem negam que mamíferos evoluam de répteis em dezenas de milhões de anos, mas famílias e gêneros podem evoluir em poucos milhares de anos.O argumento não era que a mudança era limitada e que as mutações necessárias para transformar os táxons seriam demasiadas improváveis de se fixar?

Outra coisa a explicar é o impressionante nível de polimorfismos nas espécies.Como um único casal de humanos e alguns casais de animais não-limpos poderiam dá origem a variação genética observada atualmente?Boa parte dos loci dos genomas dos organismos são polimórficos, ou seja, contém mais de um alelo por gene.50%em insetos,20% dos mamíferos e 30% dos mamíferos (Colby,1996).Sem falar em casos de tri-alelia como o sistema ABO e até casos com quatro alelos por gene, como é o caso dos quatro fenótipos da cor de pêlos em coelhos (aguti,chinchila, Himalaia e albino).Genes da classe MHC são o extremo em variação genética: 59 alelos foram identificados para o loco mais polimórfico (Stearns & Hoekstra, 2003.p.307).Leva tempo para que tantas mudanças sejam acumuladas caso se apele a mutações, a menos que se postule a existência de loci extras que não existem mais.E se em algum momento um número de indivíduos continha o número máximo de alelos possíveis, a deriva aleatória levaria a perda da maioria dos polimorfismos em uma população pequena.Para evitar tal perda, os polimorfismos deveriam ter sido mantidos por meio da pressão seletiva.Isso leva a um dilema.Para os polimorfismos ser mantidos seria necessária a seleção a favor dos heterozigotos, mas também isso impediria a divergência das populações.

E o que dizer sobre a teoria de especiação de Gibson?Catástrofes localizadas contribuindo para especiações?Quantas delas ocorreram para gerar 10 milhões de espécies de algumas poucas que saíram da Arca?A Dra. Márcia se esquece que as populações não tem número infinito de alelos em seus genomas.Desde que R.A. Fisher estabelesceu seu Teorema Fundamental da Seleção Natural sabemos que a taxa de mudança adaptativa numa população é proporcional a quantidade de variação genética presente.Há um custo para a seleção natural e um limite de substituições adaptativas que uma população ter em dado tempo.Seleção consome a variação genética em um locus com a fixação do alelo apto, e leva tempo para recuperar os níveis de heterozigosidade.Quando duas populações de uma mesma espécie se torna duas, um efeito colateral é o empobrecimento do seu pool genético.Ou seja, sem variação não há evolução e muito menos a mudança adaptativa rápida.Deveria se postular taxas de mutação muito mais elevadas.Quanto mais rápido deveria ser as taxas de mutações?Não se sabe, mas para o caso da evolução humana até podemos ter uma idéia para podermos comparar.Já que o DNA mitocondrial sofre mutações 10 vezes mais rapidamente que o DNA nuclear, ele pode traçar as divergência das populações ao longo do tempo.O ancestral molecular de todos os seres humanos parece ter vivido há 200.000 anos segundo as taxas de mutações conhecidas (Stearns & Hoekstra,2003.p.306).Essa estimativa deve ser interpretada com cuidado.Entretanto, quem quiser que a humanidade existe apenas há poucos milhares de anos deve postular taxas de mutação na ordem de dezenas de vezes maiores que as atuais, quem dirá qual taxa deve se postular as supostas milhares de especiações que ocorreram.

Na verdade, especiações rápidas são defendidas por teóricos do Equilíbrio Pontuado, mas nem de longe eles acreditariam na plausibilidade de uma evolução cegamente rápida.E mesmo o Equilíbrio Pontuado sofre críticas de geneticistas de populações, que não acreditam que a especiação devido a deriva genética atuando em pequenas subpopulações isoladas seja comum.Eles afirmam que os locos fixados por deriva raramente deslocam as populações para novos picos adaptativos, exceto se a população fundadora permancer pequena por um bom tempo(Futuyma,1992.p.255).


As inconsistências reconhecidas

Boa parte das inconsistências do que falei aqui, não são totalmente ignoradas pela Dra.Márcia e por Jim Gibson.Vejam este artigo de Gibson traduzido pela Dra. Márcia, em que são feitas perguntas sobre as questões que mais preocupam o Criacionismo "Científico": http://www.grisda.org/jgibson/faq-port.htm .

Aqui algumas perguntas e questionamentos interessantes:

" Como podemos explicar o que parece ser ninhos de ovos de dinossauro e filhotes em sedimentos que acreditamos terem sido provavelmente depositados pelo dilúvio?"

"Por que não encontramos fósseis de dinossauros misturados com fósseis de mamíferos que vivem hoje?"

" Como o homem podia sobreviver com estes poderosos animais vivendo ao redor?

"Por que não são encontrados fósseis de homens gigantes?"

"Por que não são encontrados fósseis humanos que pareçam ter sido enterrados pelo dilúvio?"

"Qual é a explicação para os fósseis que têm características de homem e de macaco?"

"Como se pareciam os animais originalmente criados?"

"Por que os humanos são tão semelhantes a outros animais, especialmente aos macacos?"

"A questão mais difícil é provavelmente a seqüência aparente de idades radiométricas, dando valores mais altos para as camadas inferiores da coluna geológica e valores menores para camadas superiores. Pergunta-se também por que a datação radiométrica produz sistematicamente idades muito maiores do que as sugeridas pelo relato bíblico"

" Como um evento catastrófico conseguiu produzir a seqüência ordenada de fósseis que é observada?"

"Por que os fósseis na parte inferior da coluna geológica parecem tão diferentes de qualquer coisa viva atualmente, enquanto os fósseis na parte superior da coluna são mais semelhantes às espécies que vivem agora?"

"Por que alguns fósseis se apresentam numa série morfológica que se ajusta, de um modo geral, com a teoria da evolução?"

"Como as plantas e animais chegaram ao local onde agora estão após o dilúvio?"

" Quantas espécies diferentes de animais foram salvas na arca de Noé, e quais são seus descendentes?"

"Como os vertebrados terrestres se espalharam da arca até sua atual distribuição?"
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Vejam que a questão mais relevante é que todas anomalias na "teoria" criacionista são respondidas através das teorias evolutivas, e isso pode ser visto nos textos do meu blog.A única coisa que não abordei foi a idade antiga da Terra.Os relógios radiométricos devem apontar idades avançadas , porque seria um absurdo se em poucos milhares de anos toda a biodiversidade tivesse surgido.Teríamos que postular taxas de evolução morfológica superior até os mais aqueles dos experimentos de seleção artificial em caso de uma evidência de Terra jovem.

Porque as inconsistências podem não ser um problema

O principal ponto é que por estarem motivados religiosamente, os criacionistas bíblicos podem aceitar interferências sobrenaturais que salvariam as inconsistências.Por exemplo, com relação ao problema da distribuição geográfica das espécies, algumas delas podem ter sido guiadas sobrenaturalmente.É isso que defende a Dra. Márcia no seu debate com o filósofo Marcus Valério XR, em seu site intitulado "Evolução Biológica" (http://www.evo.bio.br) :

http://www.evo.bio.br/LAYOUT/DRMARCIA1.HTML

Filósofos da ciência dizem que o naturalismo explanatório postula que coisas que não são observadas, não tem valor científico.Se eu tenho um argumento A então B , para formular um argumento dedutivo, então se algo é provocado por um processo que não é acessível a todos em termos de revelação, então o que poderia funcionar como uma explicação?Não há resposta.Por isso que Dra.Márcia reconhece que o Criacionismo Bíblico não pode ser científico no debate:

"Particularmente eu não gosto muito do termo ciência criacionista ou criacionismo científico. A teoria da evolução é baseada na filosofia do naturalismo e não considera qualquer hipótese que envolva a intervenção divina na história do universo. O naturalismo passou a fazer parte da ciência atual. Assim, a ciência tenta explicar todos os fenômenos com base em processos naturais. Como o criacionismo aceita a presença do sobrenatural, ele não poderia ser denominado 'científico', de acordo com a definição da ciência moderna."

Mesmo que as inconsistências refutem o relato bíblico cientificamente, isso não tem importância segundo os principais defensores do Criacionismo "Científico".A ciência é uma busca da verdade, mas a "verdade" por eles já revelada a muito tempo e os dados científicos devem se encaixados de acordo com que a Bíblia diz.Vejam:

"Se a Bíblia é a Palavra de Deus -- e é -- e se Jesus Cristo é o Criador infalível e omnisciente -- e Ele é -- então tem de se acreditar firmemente que o mundo e todas as coisas nele foram criadas em seis dias naturais e que as longas eras geológicas da história evolucionária realmente nunca ocorreram." -- Henry Morris (Morris, Scientific Creationism [Criacionismo Científico], 1974, p. 251)

"É mais produtivo encarar a Bíblia literalmente e depois interpretar os fatos reais da ciência dentro do seu enquadramento de revelação." -- Henry Morris (Morris, Troubled Waters of Evolution [Águas Problemáticas da Evolução], 1974, p. 184)

"Nós acreditamos que a Bíblia, como Palavra de Deus verbalmente inspirada e completamente inerrante, dá-nos o verdadeiro enquadramento de interpretação histórica e científica... Tomamos este enquadramento revelado da história como o nosso dictum básico, e depois tentamos ver como todos os dados pertinentes podem ser compreendidos neste contexto." -- John Whitcomb e Henry Morris (Whitcomb e Morris, 1961,The Genesis Flood [O Dilúvio de Gênesis, p. xxvi)

"A evolução ensina que a Bíblia tem erros e não é de confiança. Os cristãos precisam de ter as suas perguntas respondidas e as suas dúvidas removidas. As igrejas, seminários e denominações precisam de ser chamadas de volta sob a autoridade do Livro que lhes ensinaram a duvidar. Essa é a verdadeira mensagem do criacionismo." (Morris, na folha noticiosa Arts and Facts [Artes e Fatos], junho de 1995)

"O cristão instruído sabe que as evidências para uma completa inspiração divina das Escrituras têm muito mais peso do que as evidências para qualquer fato da ciência. Quando confrontado com o testemunho bíblico consistente sobre um Dilúvio universal, o crente certamente tem de aceitá-lo como sendo inquestionavelmente verdadeiro." -- John Whitcomb e Henry Morris (Whitcomb e Morris, 1961, p. 118)

"A única conclusão que concorda com a Bíblia é, claro, que Gênesis 1-11 é a verdade histórica real, independentemente de quaisquer problemas científicos ou cronológicos envolvidos. " -- Henry Morris (Morris, 1972, p. 82)

Notem as partes grifadas por mim.Ora, se a "verdade" já foi revelada e os dados podem ser encaixados de acordo com que as escrituras diz , então a busca pela verdade sem aspas tem pouca importância para a "teoria" criacionista, uma vez que o que é válido são apenas as confirmações.Poderia se afirmar que os criacionistas poderiam identificar através do método científico que a evolução está errada, mesmo que motivados ideologicamente.Esse argumento, entretanto, não levaria a nada.A falsidade da evolução não transforma automaticamente o criacionismo verdadeiro.Se assim fosse, eu poderia dizer:"Não existe nenhum resquício de arca nenhuma em local algum.Logo, a Teoria da Evolução está correta."

Referências:



Colby, C.1996.Introduction to Evolutionary Biology.The Talk.Origins Archive. Vers. 2 1996. January 7, 1996.Link: http://www.talkorigins.org/faqs/faq-intro-to-biology.html/

Flank, L.1998. "Quais São os Verdadeiros Objetivos dos 'Cientistas' do Criacionismo?".Darwin Magazine.Link: http://www.geocities.com/gilson_medufpr/aims.html

Futuyma, D. J. (1992). Biologia Evolutiva, 2ª edição.Sociedade Brasileira de Genética & CNPq, Ribeirão Preto-SP.

Stearns S.C. e Hoekstra, R.F. (2003).Evolução: Uma Introdução.Atheneu Editora São Paulo, São Paulo-SP.